quarta-feira, 8 de julho de 2015

Resenha da Semana: O pintassilgo, de Donna Tartt




Uma essência triste. Assim posso falar da experiência/impressão que tive com a aclamada obra de Donna Tartt: O Pintassilgo. A autora em questão tem um ar de mistério e beleza, convenhamos que basta uma foto da mulher para que nos indaguemos quem é, onde vive? Etc. Donna é norte-americana do Mississipi, ganhou o Pulitzer com a obra que me desafiei a resenhar aqui (um imenso desafio, uma vez que ela foi resenhada milhares de vezes pelos grandes, médios e pequenos blogs, mas aqui é uma impressão apenas, calma amigos...). Todas as suas obras foram traduzidas pela Companhia das Letras, então temos acesso ao trabalho da escritora via uma editora que traduz bem e faz capas relativamente belas (sim, é um detalhe que me incomoda profundamente: a capa!). Aceitemos que ela desperta no meio crítico um incômodo: se você for pesquisar encontrará resenhas que amam e outras que odeiam a moça, umas que atribuem o sucesso de suas obras ao seu visual, outras que esquecem a face da mulher e se concentram nas palavras. Enfim, a crítica tem muitos caminhos, vertentes tortuosas que nada mais são que uma tradução do que há de mais humano: o desejo de desvendar a arte, o incômodo. Não vou adentrar neste melindre literário, considero uma obra literária um universo de possibilidades, algo complexo o suficiente para me ater por inteiro. Claro que quis saber quem era a autora, evidente que aquela fotinha na orelha do livro me chamou atenção, mas não o suficiente para me soltar da narrativa. E a ela nos dediquemos.

A intrigante Donna Tartt.

É um desafio aos desavisados. Afasta os incautos apenas pelo volume: 720 páginas em papel pólen soft (OMG! Amo papel pólen!), uma capa misteriosa e um título convidativo. Confesso que iniciei a leitura cheia de medo, pois desconfio dos vencedores recentes do Pulitzer, mas me senti atraída por dois simples fatores: uma capa bonita e o fato de ser uma autora, uma mulher. (Precisamos ler mais mulheres! Sou a favor disso... Depois dedico um post sobre o assunto, pois é algo que ronda meus pensamentos inconstantes.) O enredo é direto e de certa forma simples: a história de um garoto órfão e a crueldade do destino. Mas os labirintos da narrativa e o fato dos acontecimentos serem narrados pelo próprio garoto são elementos que enriquecem a obra. Theodore foi abandonado pelo pai e perde a mãe num atentado terrorista. O único elo entre ele e a memória de sua vida ‘feliz’ com a mãe é uma pintura pequena de um pintassilgo, que o direciona a uma vida cada vez mais conturbada.
Narrar uma história de obsessão por uma obra de arte, que na verdade é uma tentativa desesperada de se agarrar ao passado considerado feliz, é no mínimo deprimente. Theo é o retrato do desespero calado, da dor, e as referências artísticas desnudam o sentido destes sentimentos a cada capítulo da obra. Um mesmo quadro tem perspectivas infinitas. E esta é apenas uma delas. As personagens que tocam o protagonista nunca se mostram por inteiro, considero um sucesso por parte da autora a sua forma de mostrar o pensamento de alguém, um jovem a contar sua própria história: a memória e suas fantasias, seus monstros e desejos. Em alguns momentos pude sentir o gosto amargo da vida de Theo, em outros fiquei obcecada pela obra O pintassilgo, do pintor Carel Fabritius, de 1654. Confesso que a raridade de uma obra agradar tanto ao público quanto à crítica em geral me causou um certo interesse pelo trabalho, e não me decepcionei. Sim, Donna exagera em alguns momentos em seu estilo carregado, excesso de adjetivos, mas em seguida me questionei se este não seria o tom narrativo da personagem: o jovem Theo, desesperado por se agarrar ao passado, tentando a todo momento justificar sua infeliz passagem pela vida. 

O pintassilgo, de Carel Fabritius. 33 x 22cm. 1654.

O pintassilgo é um livro triste. Dito isto mais uma vez, percebo que ele foi competente na sua premissa. Talvez desagrade à crítica literária especializada a pitada de suspense policial que Donna Tartt coloca na obra, e talvez seja esta a fórmula utilizada pela autora para transgredir alguns limites e derrubar os muros entre o que é considerado ‘biscoito fino’ e a leitura para a ‘massa’. Não gosto de desfiar o enredo por inteiro, meu foco nestas resenhas sempre será nas impressões a serem compartilhadas com os leitores. Em suma, ler esta obra me trouxe uma teia complexa de sentidos, visitei os problemas de outrem por vias que nunca considerei como possibilidade. Acredito que vale a leitura, de peito aberto mesmo. Lá dentro encontramos uma visita à arte e aulas de estética absolutamente simples, como deveriam ser, afinal todos nos deparamos com a arte com o mesmo propósito e a educação para a apreciação é uma realidade infelizmente distante. Dito isto, espero ter contribuído com meu simples relato de leitura, pois só chamo de resenha por ter um pouco da obra em mim, e por convidar os leitores do blog a partilharem comigo suas experiências de leitura.
Finalizo com um trecho, pois acredito na experiência como melhor convite:

Mas às vezes, inesperadamente, a dor me atingia em ondas que me deixavam sem ar; e quando as ondas recuavam, eu me via olhando para os destroços repulsivos de um naufrágio, iluminados por uma luz tão lúcida, tão deprimente e tão vazia que eu mal conseguia lembrar que o mundo algum dia chegara a ser algo que não morte. (pág. 88)


O pintassilgo, de Donna Tartt. Companhia das Letras, 721 páginas.